27 de março de 2011

Deusa de mim.

            Compenetrada em seus pensamentos inóspitos buscando a concepção do que é incompreensível, ali estava ela. Lara, Uma viagem em quatro letras, duas sílabas que não poderiam ser traduzidas nem por todas as outras sílabas existentes em todo o universo. Dizem-no de origem grega, onde quer dizer – A Deusa do silêncio eterno. Contudo, discordo. Talvez, para ela coubesse um nome que quisesse dizer - A Deusa das palavras sábias. Doce e ousada, sábia e leal. Poderia eu, até indicar ela como um sinônimo de Lealdade. Não indiquei ainda porque nunca me perguntaram, apenas por isso. É preciso deixar claro, sempre claro. Como a luz dos olhos dela, como a luz que ela emana. Traz paz a mim, sim. O cabelo negro e liso escorria pela face meiga e o sorriso que fazia sorrir (não naquele momento, pois nesta hora ele inexistia), os olhos de um profundo azul varriam mentes e mentes buscando as sementes do que viria a ser, seria? Não dá para saber. Eu queria entender. Incomodava-me o fato de que ela parecia agora desejar fazer jus ao seu nome, parecia que ficaria ali, no silêncio eterno, sempre. Fiz de tudo, eu juro que tentei ser notada, até que cedi. Entreguei-me ao tédio que era folhear todas as revistas, fazendo um barulho completamente desnecessário só para, talvez, quebrar o possível transe em que Lara se encontrava. Uma página colorida e fútil qualquer prendeu instantaneamente a minha atenção, até que a voz dela recobrou minha consciência:

- Que quer dizer “Muito Gente”?

            Reconheço que engoli seco. Como eu responderia? Definição de “muito gente” não estava no dicionário, eu sabia o que era ser, mas não descrever o que seria. O meu silêncio buliu a Deusa do silêncio eterno e ela voltou a repetir a pergunta, nunca se deu por vencida e não seria meu silêncio que a venceria. Sorri cautelosamente, era evidente que possuir apenas a ausência da resposta incomodava-me de forma extraordinária, titubear não fazia nem um pouco o meu tipo. Gostava – assim como ela – de possuir todas as respostas na ponta da língua. Os meus olhos em questão de segundos varreram o ambiente na busca de algo plausível, tentativa essa vã e obtusa. A verdade é que eu não sabia como dizer que não sabia dizer o que era ser muito gente, ou sabia e apenas não queria. Dar o braço a torcer é uma coisa que eu só faço quando não há outra alternativa, portanto a segunda alternativa deve ser a mais provavelmente correta.

- O que quer dizer com isso? Ser muito gente é apenas ser muito gente. Você sabe.

- Se soubesse, não estaria perguntando. Isso é tão óbvio.

            A resposta dela veio como um tiro e quem morreu foi eu. Era ululante que ela não se calaria a menos que eu fornecesse uma resposta digna. A altura do meu ego. Bem feito para mim, não sou a senhora de todas as coisas? Possuidora de todas as razões? Parabéns. O mais engraçado de tudo – se é que alguma graça conseguiria cortar a tensão do momento – era que ela falava com uma propriedade assustadora. Como quem interroga um alguém que já fora condenado. Teria ela condenado-me ao desgosto que é não possuir a resposta que me pareceria em qualquer outro momento tão óbvia?  Não sabia explicar, não naquele momento. Foi quando os braços de Lara se abriram, como asas querendo causar em mim o aconchego que só o abraço dela costumava trazer. E ser muito gente, estava mais ligado as ações e emoções do que as explicações e palavras. Ser muito gente era compreender, sem delongas, que viemos ao mundo para somar e não dividir, perceber que o outro é tão importante quanto você e amar como se o amor fosse a única salvação do mundo, o amor próprio, o amor ao próximo, o amor a todas as coisas. Ser muito gente é saber ouvir, saber falar e saber calar, tudo em seu devido momento. Ser muito gente é admitir que não sabe tudo isso, mas que está, pelo menos disposto a aprender. Ser muito gente é se preocupar, é chorar, sorrir, é cantar, gritar, dançar... É abrir o jogo sempre que sentir vontade. Ou para resumir, simplificar e facilitar tudo, bastava dizer apenas que ser muito gente era ser exatamente como ela era. Mas, não era necessário. 
Para minha Doll, com todo amor do mundo.
p.s.¹ E não, o nome dela não é Lara. Mas, baby isso é quase ficção
p.s² DEEEEEEZEMBRO! *-*


4 de março de 2011

Quentes, por favor.

Eu cheguei um pouco atrasada, falta de educação, eu sei. Mas, para minimizar o tédio que é esperar, enviei uma mensagem para ela. Minha amiga de longa data, a gente quase não se vê, a vida é assim mesmo, te separa – quando você menos espera – de quem você menos espera. Sabe aquela pessoa que você confia de olhos fechados, mas no entanto, algumas vezes você esconde segredos porque sabe que ela tem verdades indelicadas que você não quer ou não está pronta para ouvir? É ela. Acho que sou um pouco grandinha demais para classificar alguém como melhor amiga, mas no Hall das grandes, está ela. Firme e forte desde os meus seis anos de idade.
Quando eu entrei na cafeteria a vi sentada num canto, parecia inquieta com meu atraso e foi só me ver que sorriu feito boba, notei nos olhos dela um segredo gritante, que ela parecia querer esconder. Não era um dos meus melhores dias, mas eu não pude conter o sorriso também. Cheguei à mesa e ela pôs-se em pé diante de mim e me deu um abraço, tive a sensação de território seguro – aquele mesmo que ela sempre foi, desde que entrou na minha vida. Assim que nos separamos eu joguei a minha bolsa sobre a mesa e me sentei, em frente a ela. O garçom se aproximou apressado e quis anotar o meu pedido, perguntou se eu já tinha escolhido, como velha conhecida daquele lugar, pedi o de sempre:
- Um café, bem quente.
Ele me olhou como se perguntasse se eu queria mais alguma coisa. Não me lembro de ter sido atendida anteriormente por ele, então eu sorri e agradeci, com a fina educação que recebi quando pequena. Eu pensei e quase disse: “Um amor tão quente quanto, faria bem. Você tem um que possa durar pra sempre? É só. Obrigada!”, mas não disse, parecer louca para desconhecidos é uma coisa que eu sei fazer muito bem, só não me sinto a vontade. E ela, do outro lado da mesa pareceu ter lido o pensamento, quando perguntou com um sorriso que dizia: “eu quero te contar, eu vou te contar, mas deixa eu fazer charme antes!”, parecia mais linda do que nunca e sua voz era tão suave, como quem alcançou a felicidade que tanto buscava – e merecia:
- E o coração, amiga? Como vai?
Quase me levantei da mesa e me retirei do recinto. Eu hein? A pergunta dela intensificou o frio e não era eu que parecia sentir, sem contar os funcionários da cafeteria, não havia ninguém sem casaco ou um moletom que fosse. Eu sorri sem graça, já tinha sido grosseira o bastante ao chegar atrasada, sair e deixá-la falando sozinha seria o ápice da falta de educação que eu nunca tive. Então eu peguei o copo de água sem gás que era servido de praxe para limpar o paladar – amargo? – e depois limpei a boca com um guardanapo de papel. Acho que ela entendeu e se incomodou com meu silêncio, apenas pegou o celular que tinha acabado de vibrar sobre a mesa e sorriu amarelo, ela ainda esperava uma resposta. Então eu dei:
- Batendo porque essa é a única opção. Mas, desisti do amor... – e então eu ouvi uma voz dentro de mim gritar estridente: Mentira, você não desistiu!  E eu continuei, ignorando-a. – Você sabe, nunca funcionou pra mim.
- Não sei como você pode dizer isso – ela disse desacreditada – você sempre foi a mais romanticazinha de todas as minhas amigas. Sonhava com o príncipe encantado!
E ainda sonho, quis responder. Mas, ultimamente busco transparecer mais uma mulher forte do que qualquer outra coisa. Não sabia o que dizer e neste instante pus a me observar o ambiente, num giro de 180º com meus olhos atentos, algo me dizia que não adiantava tentar prosseguir, não convenceria, ou melhor não a convenceria.          
- Você tem notícia da turma do colégio? Nunca mais vi ninguém.
Ela percebeu que eu não queria falar do meu pseudo coração de pedra e deu corda pra eu me enforcar:
- Eu vi semana passada o Pedrinho, lembra dele?
- O senhor Brownie?
- O senhor seu primeiro amor.
Minha vontade naquele instante foi não só sair daquela mesa e daquele lugar, como também me jogar na frente do primeiro carro que visse. Ela sempre me zoou com essa história maluca. O japinha da primeira série.
- Meu primeiro amor? Eu tinha 7 anos, não sabia nem o que era isso.
- Mas, você o paquerava.
- Paquerar eu paquero o eletricista, o cara do meu escritório. Mas, amor... amor é mais que isso. Muito mais. – Eu sabia que se eu negasse seria pior – E então, como ele está?
- Ué, tá preocupada por quê?
Ela adorava me tirar do sério.
- Quem disse que eu estou preocupada, céus? É só uma pergunta boba pra continuar conversa.
- Ele está lindo. Acabou de chegar de Madrid.
Eu olhei pra fora e senti um frio que estava dentro de mim. Como se faltasse algo. O garçom veio e trouxe nossos pedidos, o que ela havia feito antes – capuchino, tem coisa mais doce? Coisa de quem tá amando, presumi. E o meu café, mais amargo do que doce e quente, muito quente. Beberiquei rapidamente e senti o líquido quente rasgando de imediato as minhas entranhas. E só depois de alguns minutos percebi que a nossa respiração era a única coisa que cortava o silêncio da nossa conversa. Ouvia-se outras conversas, outros amigos em reencontros e alguns profissionais cumprindo agenda em reunião, mas tudo parecia bem distante. Tais quais meus pensamentos.
- Ei – disse ela querendo me trazer de volta pra terra – o que foi?
- Nada, - respondi, eu não tinha resposta mais exata. – só estava longe, nos meus pensamentos. – e o celular dela vibrou outra vez. Curiosa, eu perguntei – você não vai responder?
- É só o Guga, dizendo que tem algumas reuniões importantes hoje. Mas, que amanhã a gente já pode ir viajar. Sabe como é, né? Carnaval.
- É, eu sei. Você sempre festeira. – Essa não era a resposta que eu queria dar. Que tal um: É, eu sei. Vou pra edredons, já que para lençóis estará frio demais.
- Conseguimos um pacote pra Olinda, já ouvimos falar muito bem de lá. Vamos conhecer. Por que você não vai com a gente?
“Porque eu não tenho namorado, hm”. Foi o que eu pensei, mas não disse.
- Tá bem em cima da hora, não dá.
- É, isso é.
- Vou ficar aqui mesmo, família, amigos e chuva. Bem propício.
Fui irônica e arranquei mais um sorriso bobo dela. Sentia saudade da companhia. Ela, que não sabia ficar quieta emendou:
- Mas, ia ser legal. Lugar novo, gente nova, amor novo.
- Você é maluca? Não sou nem louca de arrumar um namorado no carnaval. Até porque, quem vai pro carnaval solteiro quer voltar solteiro. Com alguns nomes a mais na agenda telefônica, mas solteiro.
- Pelo menos você beijava na boca.
- Urgh! Trocar bactérias com desconhecidos nunca fez minha cabeça.
- Ai, como você é careta...
- Ou você que é maluca?
- Nunca neguei, mas pelo menos você queimava umas calorias e ficava feliz, de sobra.
- Tá me chamando de gorda é? – sabia que não, mas era melhor estar certa.
- Nunca, você é linda. Mas, mulher tem dessas paranóias.
- Falou o homem da relação, - descontraí – Enfim. Tá tudo certo no namoro? Tá com quanto tempo?
- Dois meses e meio. To adorando.
- O Guga é aquele que estava com você no show da virada, na praia?
- Hm, é sim.
- Eu lembro dele. Simpático, gostei.
- É.
A conversa parecia cada vez mais sem pé nem cabeça, o que fazia o vazio em mim aumentar. Estava me dando conta de que vestir uma armadura para parecer alguém que eu não era, não me fazia feliz. E sim, fazia eu me sentir cada vez mais desconfortável e vulnerável. Me dei conta de que a minha felicidade consistia naquilo que eu lutava contra naquele momento, pelo menos por fora, me doar e me doer. Não queria parecer disponível, ao alcance do toque do próximo, do amor do próximo. Queria parecer intangível e estava sendo, até para a felicidade.  Continuamos conversando por mais alguns longos minutos, até que eu tive de voltar ao trabalho, nos despedimos e ela me orientou que era bom eu tomar cuidado, que todo mundo que vivia ao meu redor era apaixonado pela pessoa que eu sempre fui, intensa. E que talvez, eu pudesse estar deixando a felicidade escapar pelas minhas mãos. Eu sabia de tudo isso, só não queria ouvir. Dei voltas e voltas para não chegar no assunto que doía feito ferida aberta, que eu mesma tinha criado. Às vezes a gente veste uma armadura que não nos pertence para entrarmos numa guerra que é nossa e desta forma, ferimos a nós mesmos. Lutando contra os princípios, os mais importantes, que estão na nossa essência. Eu me dei conta. Não adiantava fingir que não tinha coração ou que ele era de gelo porque me decepcionei outras vezes. Eu tinha um coração sim e ele deveria estar sob os meus cuidados, ser ignorado como fiz por algum tempo, não resolvia nada. Só tirava a dor do foco, mas sozinha na minha casa, eu sabia o quanto sangrava e o quanto doía. Quando entrei no carro, dirigi em silêncio por algumas avenidas e de repente vi uma pichação que parecia ter sido feita para mim, ou por mim. Para me acordar: Um café e um amor, quentes por favor. Como num estalo ouvi Renato Russo cantando pra mim: “Como um anjo caído fiz questão de esquecer que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira.”