24 de março de 2010

Clichê.

            Eu cambaleava pela avenida principal como uma bêbada, embriagada pela sua voz. Ela ainda ecoa em meus pensamentos, eu ainda posso te ouvir sem muitos esforços, se você quer que eu seja sincera - sem esforço algum. Eram exatamente 4:40 da madrugada, sei porque balancei a cabeça na tentativa de expulsar o pensamento e o digital no meio da avenida estava marcando esse horário. Estava escuro e o sereno da madrugada me cobria feito um manto, mas não me trazia paz, nem medo. Era uma dessas sensações confusas, talvez uma ressaca moral proveniente de algumas doses a mais da sua voz ao pé do meu ouvido, me falando de coisas totalmente comuns à completamente malucas ou até mesmo um dos sintomas de abstinência, não posso afirmar com absoluta certeza afinal nunca havia sentido nenhuma das duas coisas antes, mas estava acontecendo desta forma. Da mesma forma que eu pensava que aconteceria nesses casos. Desculpe-me se te digo isso dessa maneira, mas você acha que eu tenho algum tipo de culpa? Escolhi ser atordoada por pensamentos em você a essa hora? Às quatro e quarenta? Eu andei mais um quarteirão e meio, o telefone tocou e o identificador de chamadas lhe denunciou: era o seu número. Eu atendo, mas necessito tanto me embriagar outra vez com mais uma dose do som da sua voz, preciso tanto colocar um ponto final em minha abstinência que eu não consigo sequer me prender ao que você fala, dar sentido as coisas é completamente impossível e eu só ouço a sua voz. Fazer sentido por quê? Se o que me importa é sentir? Caminhei na avenida com o celular grudado no meu ouvido, não tenho noção de quanto tempo se passou já que o relógio já tinha se perdido em meio aquela imensidão, perdi-me também na conta, não sei quantos carros passaram por mim, quantos buzinaram. Estava eu assim tão desvairada? Era tão visível a minha loucura? A mesma estaria estampada em neon na minha testa? O dia amanhecia e você ainda falava. Falava de coisas das quais nunca ouvi na vida, de coisas que nunca me preocupei, de coisas que se qualquer outra pessoa começasse a falar eu pediria sem pensar duas vezes para que parasse porque eu não estava com paciência para ouvir. E quem disse? Eu ouvi tudo. Sem entender nada. Chegando ao meu prédio eu te interrompi de uma maneira totalmente indelicada e percebi que você recebeu aquilo como um soco na boca do estômago, eu não poderia te ver afinal era o telefone o meio que me fazia ouvir a sua voz, mas percebi sua respiração falha ao me ouvir dizer:

- Pensei em você.

            Lembro de você me respondendo com uma interjeição, totalmente desajeitado e eu fiquei sem graça, mas tive de repetir para me certificar de que você teria realmente ouvido, de que não havia acontecido uma interferência na ligação no exato momento em que eu vomitei aquela confissão, então, ainda que quase sem força e sem voz eu repeti pausadamente:

- Eu... Disse... Que... Pensei em você.

            A cada pausa eu tomava fôlego ao mesmo tempo em que me perguntava se eu estava mesmo te contando. Mas, acabei percebendo que você recebia a notícia como um soco na boca do estômago, de maneira que te deixava atordoado, porque era exatamente dessa forma que eu a entregava, no mínimo como um bofete, com os cinco dedos estalados sobre a sua face, cheia de pressa. A pausa não aconteceu enquanto eu repetia a parte mais importante, a confissão, o “pensei em você”. Lembro que você quis que eu contasse como e por que tinha acontecido. Chamei-o de tolo, mentalmente é claro. Como explicar porque me ocorreu um pensamento? De que planeta veio você?, Quis dizer. Mas, não disse. Sinto-me alegremente atordoada com essa confusão de pensamentos que acontece em mim. Não entendo e não busco a compreensão, penso que um pouco de insanidade corroendo o meu cérebro far-me-á bem, ou pelo menos ajudar-me-á a esquecer as coisas sérias que cabem dentro de uma sanidade que eu nunca busquei. Você insistiu de uma forma tão encantadora que eu contei-lhe todos os detalhes dos quais me lembrava, inclusive do relógio no meio da avenida marcando 4:40. Você ria e eu ria. Éramos dois bobos ao telefone, nos embriagando do que não era palpável. Mas era uma droga tão alucinógena quanto qualquer outra que você tenha conhecimento. Eu só não contei que vi o relógio porque queria expulsar você dos meus pensamentos, você se sentia tão feliz e eu me sentia tão feliz que resolvi deixar isso de lado, quebrar o encanto por um detalhe sórdido não nos faria bem. Penso que não fiz mal, mas se te perguntasse  o que você pensa, será que me responderia “Penso em você”? Eu não sei a resposta para essa pergunta ou devo dizer que neste exato momento não sei de mais nada?
             Sei apenas de poucas coisas. Essas tolas que enchem nossa vida de cores, nossa morte de vida. Essas mesmas que te fazem afundar a cabeça no travesseiro com a mesma vontade que enfia debaixo do chuveiro, só que por motivos opostos. O primeiro para inundar o travesseiro de pensamentos lindos e o segundo para inundar a cabeça se livrando de pensamentos ruins.
            E saiba que não temo estar assim tão boba, rindo da vida e indo dormir quando os despertadores de todas as casas que eu conheço, exceto a minha e a sua, estão convidando todos eles a se levantar, a brindar o sol ou (e mais perfeitamente compreensível) maldizer a semana que começa com o pé esquerdo, bem cedinho numa segunda-feira. Afinal, eles estão com um gosto amargo na boca, de mágoa, medo ou vingança. Mas, eu não. Eu vou dormir com o efeito alucinógeno da sua voz mais uma vez repousando sobre o meu corpo e me trazendo lindos sonhos, sonhos azuis.

10 comentários:

Erica Ferro disse...

Já disse que você é uma doçura, né?
Suas palavras são lindas, de verdade!

Debbys disse...

Nossa, lindo o texto, perfeito!!!
saudades já de vc!!! =]
bjusss

Maitê Bradley disse...

Sabe aquele música "Estar apaixonado pode ser muito engraçado, a gente fica sem noção"? Me lembrei dessa música com seu texto, porque eu interpretei como uma pessoa apaixonada... Lindo o texto, adoro a forma que você escreve! É tão real a forma que você faz as pessoas "entrarem" em seus textos... *-*

Equilibrista disse...

nossa, quanta intensidade no som de uma voz...
ufa.

Louis disse...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH meldels, você sabe que é minha Diva literária né, mesmo quando eu faço elogios ocultos *---*

Naty Araújo disse...

Perfeito, Pequena... Que de pequena não tem nada rsrs.
Esse texto foi uma perfeição mesmo... Doces palavras.

Beijos

Fernanda L. disse...

Minha diva de prosa e poesia. Hoje e sempre.

Tão gostoso saber que pude ler aos pouquinhos, ainda lá no MSN...

Pâmella disse...

meldez que texto foda! 4:40 é da Yara? beeijo;@

Gabriela Castro disse...

Ahhhhh, minha pequena grande escritora. É sempre uma honra ler-te. Tão lindo! ;*

Melancia disse...

Yara :)