Não sei se é meu sexto sentido ou se são os sinais esparsos que você deixou pra mim, no entanto, desde que este dia branco amanheceu notei você dando voltas e voltas em torno do seu próprio umbigo, agindo como se eu não te conhecesse suficientemente bem pra saber o que isso quer dizer, eu sei. Apesar de saber do que se trata, não sei o que dói mais: a sua partida ou você agindo como se eu fosse criança, procurando a melhor hora para me contar a pior notícia que no fim, acaba escapando dos seus lábios por descuido.
Serei sincera como gostaria que você fosse comigo, eu conheço todos os seus jogos e cada passo que você dá, entendo o que você quer dizer até quando não diz nada. E se você quer saber, para que eu me esqueça de cada pequena coisa que grita o que você sempre cala, você precisaria sumir por mil anos. O que não acontece nunca. Por conhecer tudo eu deveria saber como lidar com essa história que já virou um ciclo vicioso, ainda não aprendi, você vai embora sem me dizer adeus e volta sem pedir perdão, como se a casa fosse sua e a culpa completamente minha.
Eu não sei se é uma vantagem aprender a lidar com os seus erros. Estou aqui na mesa do café da manhã esperando que você saia pela porta que deixou aberta ao entrar, como aconteceu em todas as outras vezes. Dentre as – infinitas – coisas que eu não entendo, a minha grande dúvida é: Por que adiar o que – por algum motivo que eu ainda não compreendi – haverá mesmo de ser feito? Eu não peço explicações a respeito daquilo que você não está interessado em esclarecer, você gosta mesmo da inexplicável beleza do inacabado.
A minha cabeça parece uma bomba relógio e está contando os segundos finais para explodir e o meu sexto sentido já cansado está rouco de tanto gritar que já me avisou. Então você vem como se nada – que eu soubesse – estivesse acontecendo e me pergunta do que é o suco, quando eu respondo que é de laranja você parece decepcionado. Não me atrevo a ser lisérgica como deveria, contenho-me com um gole de suco. Algo me diz que você queria que ele fosse de maracujá para me acalmar e facilitar as coisas para você, ainda não se acostumou, querido? Que seja feita essa sua vontade infantil de não saber ser feliz sem um brinquedo novo, vá buscá-lo onde você quiser e volta depois onde sabe que vai encontrar aconchego. Só não prometo que outra vez vou estar aqui para afugentar os seus medos que eu já conheço.
Enquanto você aprecia esse café da manhã que parece – para ambos – ter gosto de fel, eu noto a sua ansiedade em não saber como fazer o que quer. Você tem mesmo certeza? Não pergunto, sou imparcial. Às vezes tenho a ligeira impressão de que você só sai pela porta porque eu não me ajoelho no chão e te peço pra ficar, se for por isso partirá quantas vezes a sua vontade pedir. Não vou fingir que não sei viver sem você apenas porque é disso que você precisa. Se você quer alguém pra dizer o que você quer ouvir, fica na casa da mamãe, onde você encontra até comida no prato na hora do jantar. Então você começa a conversa da mesma forma que foi das outras vezes e como das outras vezes, não te interrompo e não te peço pra ficar, sei que nada do que eu faça pode mudar a sua decisão que já foi tomada e planejada articuladamente, você terá cartas na manga para todas as minhas atitudes. Não faz o meu tipo querer complicar, te testar. Quer ir? Vá! A porta esteve aberta o tempo todo.
Afinal de contas, eu acabei compreendendo que não há maneira doce de se dizer adeus, você se acostuma a ter aquela companhia e quando ela se vai, ainda que continue inteira, como sempre foi, parece faltar um pedaço de você. E eu sempre me pego ouvindo o Cazuza cantando, como se quisesse me ensinar: “Toda manhã parece um parto”. Está claro para mim, por mais que eu queira que você fique eu sei que para você também não é fácil deixar, nada que justifique ou amenize sua infantilidade, sua indecisão. Mas, é sempre um parto, partir.