17 de maio de 2015

Carta de aniversário



Escrevo-te sentada no sofá num dia de domingo. Imagino que um dia estarei caminhando à beira mar, segurando meu calçado em uma das mãos e sentindo a brisa marítima tocar minha pele, quando num momento qualquer, de forma inesperada e súbita, você gritará: Letícia! Eu saberei quem me chama, porque num mundo onde habitam mais de 7 bilhões de pessoas, uma única tem a audácia de me chamar assim, com toda a naturalidade. Morderei o meu lábio inferior, hesitante, sem saber o que fazer e te olharei com um sorriso. Talvez me falte força para atravessar a areia ao teu encontro, talvez eu corra em sua direção, talvez eu duvide entre um passo lento e outro, se isso estará mesmo acontecendo. Ou é obra de minha imaginação, como agora. Depois de me aproximar, meus braços saudosos te abraçarão, como se buscassem uma confirmação. Encherei todo meu pulmão de ar, como quem procura forças para perguntar como-vai-você-eu-preciso-saber-da-sua-vida...
Você vai me chamar para tomar uma no bar mais próximo e quando eu te der minha resposta padrão, você debochará de mim, na certeza de que certas coisas não mudam. Depois de insistir eu vou aceitar uma caipirinha de saquê porque como sempre, eu não saberei te dizer não.
Contar-lhe-ei sobre quantas vezes, como agora, pensei em te escrever para o seu aniversário. Como esses dias que antecedem essa data me atormentam. E como é a vida de quem nunca soube dividir nada, dividir o próprio dia. Sobre como, mesmo depois de tanto tempo, eu não consigo te odiar. E o quanto tem dias, que eu sei que só os seus ouvidos me entenderiam.
Falarei sobre o diploma, as conquistas profissionais e os carimbos no passaporte. Sobre como é dolorida a dúvida entre alçar o primeiro voo para longe ou ficar no ninho. E riremos, lembrando, do dia que você listou os nomes para os filhos que não tivemos e não teremos. Você me contará sobre a família linda que teve o prazer de formar e eu te direi, certamente, sobre o quanto eu cruzei com caras babacas no caminho. Tomara que, neste dia, eu já possa te dizer que encontrei alguém muito especial que foi capaz de curar as minhas feridas e derrubar minhas armaduras. Vai saber?
Contarei a você que Maria se formou médica e que eu estou estudando ainda, seja pós, mestrado, doutorado, pós doc, especialização. Quem sabe? Ou pode ser só um curso para gourmetizar os pratos que eu já sei.
Vou olhar para a sua mão que teme em tocar a minha e sentir aquele choque de novo. Você vai desviar o olhar, mudar de assunto, me fazer chacota e me mostrar foto do seu mais novo, do seu mais velho, do seu do meio, ou da sua filha única. E ela se chamará também Letícia, ou não. E eu vou sentir um aperto no peito. Meu celular tocará, alguém me chamando pra voltar pra casa, ou pra jantar, ou pro boliche. E eu direi que estou fora da cidade.
Por último, você perguntará se ainda escrevo e para quem.
Nos despediremos outra vez sem trocar telefone ou endereço. Deixando nas mãos do destino um possível reencontro, ou não. Vamos ter, outra vez certeza, de que certas pessoas são únicas e insubstituíveis.

Com saudades,

Allie.

Um comentário:

Sol disse...

Minha Pequena,
sempre com o coração tão grande.
Todas as vezes em que a saudade
e o prazer em te ler me trazem aqui, eu me deleito sobre tuas palavras
porque elas parecem desenhar meus sentimentos. ô Pequena, tem uma falta que insiste em morar em nosso peito, mas eu acredito que o tempo preencherá com boas novas.

Meu carinho,
S.