Escrevo-te
sentada no sofá num dia de domingo. Imagino que um dia estarei caminhando à
beira mar, segurando meu calçado em uma das mãos e sentindo a brisa marítima tocar
minha pele, quando num momento qualquer, de forma inesperada e súbita, você
gritará: Letícia! Eu saberei quem me chama, porque num mundo onde habitam mais
de 7 bilhões de pessoas, uma única tem a audácia de me chamar assim, com toda a
naturalidade. Morderei o meu lábio inferior, hesitante, sem saber o
que fazer e te olharei com um sorriso. Talvez me falte força para atravessar a
areia ao teu encontro, talvez eu corra em sua direção, talvez eu duvide entre
um passo lento e outro, se isso estará mesmo acontecendo. Ou é obra de minha
imaginação, como agora. Depois de me aproximar, meus braços saudosos te
abraçarão, como se buscassem uma confirmação. Encherei todo meu pulmão de ar, como quem procura forças para perguntar como-vai-você-eu-preciso-saber-da-sua-vida...
Você
vai me chamar para tomar uma no bar mais próximo e quando eu te der minha
resposta padrão, você debochará de mim, na certeza de que certas coisas não
mudam. Depois de insistir eu vou aceitar uma caipirinha de saquê porque como
sempre, eu não saberei te dizer não.
Contar-lhe-ei sobre quantas vezes, como agora, pensei em te escrever para o seu aniversário.
Como esses dias que antecedem essa data me atormentam. E como é a vida de quem
nunca soube dividir nada, dividir o próprio dia. Sobre como, mesmo depois de
tanto tempo, eu não consigo te odiar. E o quanto tem dias, que eu sei que só os
seus ouvidos me entenderiam.
Falarei
sobre o diploma, as conquistas profissionais e os carimbos no passaporte. Sobre
como é dolorida a dúvida entre alçar o primeiro voo para longe ou ficar no
ninho. E riremos, lembrando, do dia que você listou os nomes para os filhos que
não tivemos e não teremos. Você me contará sobre a família linda que teve o
prazer de formar e eu te direi, certamente, sobre o quanto eu cruzei com caras
babacas no caminho. Tomara que, neste dia, eu já possa te dizer que encontrei alguém
muito especial que foi capaz de curar as minhas feridas e derrubar minhas
armaduras. Vai saber?
Contarei
a você que Maria se formou médica e que eu estou estudando ainda, seja pós,
mestrado, doutorado, pós doc, especialização. Quem sabe? Ou pode ser só um
curso para gourmetizar os pratos que eu já sei.
Vou
olhar para a sua mão que teme em tocar a minha e sentir aquele choque de novo.
Você vai desviar o olhar, mudar de assunto, me fazer chacota e me mostrar foto
do seu mais novo, do seu mais velho, do seu do meio, ou da sua filha única. E
ela se chamará também Letícia, ou não. E eu vou sentir um aperto no peito. Meu celular
tocará, alguém me chamando pra voltar pra casa, ou pra jantar, ou pro boliche.
E eu direi que estou fora da cidade.
Por
último, você perguntará se ainda escrevo e para quem.
Nos
despediremos outra vez sem trocar telefone ou endereço. Deixando nas mãos do
destino um possível reencontro, ou não. Vamos ter, outra vez certeza, de que
certas pessoas são únicas e insubstituíveis.
Com
saudades,
Allie.
Um comentário:
Minha Pequena,
sempre com o coração tão grande.
Todas as vezes em que a saudade
e o prazer em te ler me trazem aqui, eu me deleito sobre tuas palavras
porque elas parecem desenhar meus sentimentos. ô Pequena, tem uma falta que insiste em morar em nosso peito, mas eu acredito que o tempo preencherá com boas novas.
Meu carinho,
S.
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